Arquivo de 12 de janeiro de 2009

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Quando entraram na Favela do Barbante, em Inhoaíba, no início da tarde do dia 3 de janeiro, os oito homens armados que atingiram um morador por engano estavam atrás do ex-guarda municipal e atual auxiliar de serviços gerais Maciel Paiva de Souza – acusado por eles de denunciá-los por controlar a região após a prisão de integrantes do grupo rival, conhecido como Liga da Justiça. Ele conseguiu fugir e, com medo, gravou um vídeo onde pede ajuda. O depoimento foi enviado, com exclusividade, para o jornal Povo do Rio.

“Eu não fujo da Justiça. Estou fugindo da covardia porque temo pela minha vida e a da minha família. Gravo este vídeo acreditando que autoridades que realmente queiram investigar vão fazer Justiça”, desabafa em um dos trechos da gravação.

Ao ver as imagens do atentado onde Adílson de Souza Alfredo, 33, acabou sendo vítima de bala perdida na perna, ele reconheceu um dos homens que segurava um fuzil. Ele foi identificado como sendo o ex-policial militar Carlos Mendes da Silva Filho. Ele e outras cinco pessoas vão a júri popular no próximo dia 30 de abril pelo crime que ficou conhecido como “Chacina do Bar do Wilson”, ocorrido em 2005. Na ocasião, três pessoas morreram e duas ficaram feridas. Eles chegaram a ficar dois anos e oito meses presos.

Entre os outros acusados, os também ex-PMs Alan Moreira da Silva, Eduardo Chagas e Alexandre da Silva Monteiro, conhecido como Popeye. O auxiliar de serviços gerais acredita que eles também acompanhavam Mendes na tentativa de matá-lo, já que ele será uma das testemunhas no julgamento. Todos foram expulsos da corporação devido à ação pela qual serão julgados daqui a três meses. Os outros dois acusados são Nazareno Alves Silva e Josimar José da Silva. Todos estão indiciados no processo número 2005.205.003910-2 da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, por homicídio qualificado mediante paga e à traição (três vezes) e tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de outro crime (duas vezes), além de formação de quadrilha ou bando armado.

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Os cinco homens seriam integrantes da milícia Comando Chico Bala (CCB), que assumiu os pontos que pertenciam ao grupo Liga da Justiça, após a prisão da maioria de seus membros, que acabou fragilizando o poder do ex-PM Ricardo Teixeira Cruz, o Batman – que já não detém a hegemonia do controle das áreas dominadas por grupos paramilitares em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio.

O líder do novo grupo é o sargento PM Francisco César Silva Oliveira, conhecido como Chico Bala e ex-aliado e principal rival de Batman, que tentou matá-lo em agosto de 2007, na Região dos Lagos. Na época, o policial, lotado no 25º BPM (Cabo Frio), foi vítima de um atentado, juntamente com sua família, em São Pedro da Aldeia. Atingido por cinco tiros, ele sobreviveu. No entanto, sua mulher, Maria Cláudia Silva de Oliveira, 31, e seu enteado, Ian Coutinho da Silva, 13, não resistiram aos ferimentos e morreram.

A partir desta ocorrência, Chico Bala começou a ajudar o delegado Marcus Neves, então titular da 35ª DP (Campo Grande), nas investigações que acabariam desmantelando a Liga da Justiça. Entre as prisões realizadas com seu auxílio, estão as dos políticos Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, Natalino Guimarães, Carmen Glória Guinâncio Guimarães, a Carminha Jerominho, e Luciano Guinânceo Guimarães, o Luciano Jerominho.

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Além de Chico Bala e Popeye, o ex-PM Hebert Canijo da Silva, o Escangalhado, e o bombeiro Carlos Alexandre da Silva, o Gaguinho, também passaram a ajudar nas investigações policiais, inclusive andando em viaturas – de prefixo 67-8999 e 67-8998 – e circulando com armas da instituição. O fato chegou à Corregedoria da Polícia Civil, que prendeu, no dia 21 de novembro, Gaguinho e os policiais civis Diogo e Lício, lotados na Delegacia de Capturas e Polícia Interestadual (DC-Polinter). Os três estavam em frente à Chefia da instituição e o bombeiro segurava um fuzil. No entanto, horas depois, os três foram soltos devido ao que o delegado Marcus Neves definiu como “um mal entendido”.

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No dia 1º de dezembro, o capitão da Polícia Militar Luiz Alexandre publicou em seu blog na internet um vídeo mostrando Escangalhado e Gaguinho chegando a uma lanchonete na Zona Oeste em duas viaturas da Polinter, acompanhados pelos policiais civis identificados apenas como Diogo, Lício, Pereira e um quarto não identificado, além de um PM do 4º BPM (São Cristóvão). Todos seriam informantes do delegado Marcus Neves quando o mesmo ainda era titular da 35ª DP.

Flagrados pelo circuito interno de segurança do estabelecimento, eles novamente estavam ostentando fuzis ao lado de agentes da Polinter. Os dois tinham autorização da cúpula da Segurança Pública do Rio para atuar como informantes da especializada, mas, na verdade, segundo denúncias, vinham agindo como se fossem policiais.

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No mês seguinte às denúncias, Gaguinho foi executado com mais de 20 tiros. O crime ocorreu em um posto de combustível localizado na esquina da Estrada do Gabinal com a Rua Quintanilha, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, por volta das 8h30 do dia 5 de janeiro. Horas depois, o agente penitenciário aposentado Wagner Rezende de Miranda, o Waguinho Desipe, 52, foi assassinado na Estrada do Tinguí, em Campo Grande. Os dois nomes constam entre os 218 indiciados por envolvimento com milícias no documento preparado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) destinada a discutir o surgimento e a ascensão dos grupos em território fluminense.

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Após seis meses de trabalho, a CPI das Milícias, presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), indiciou 248 dos 1.122 suspeitos de integrar grupos paramilitares em 171 comunidades do Rio – sendo um político, 8 policiais civis, 97 policiais militares, 3 bombeiros, 2 agentes penitenciários, 2 militares das Forças Armadas, 5 militares de órgãos não identificados e 130 civis. O relatório final da comissão foi apresentado na Alerj e na Câmara dos Vereadores — já que há deputados e vereadores entre os denunciados. O documento também foi entregue, em novembro, ao secretário da Anistia Internacional, Tim Cahill, e será enviado a 70 países, às Organizações das Nações Unidas (ONU) e à Comunidade Européia.

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Também indiciado na CPI das Milícias da Alerj, Maciel Paiva de Souza – que era guarda municipal e foi preso em 2005 por porte ilegal de arma – afirma no vídeo que está disposto a contribuir com a Justiça. Ele também revelou ter sido coagido por Chico Bala a trocar a Liga da Justiça pelo Comando Chico Bala (CCB).

“Ele me disse que papai do céu estava me dando uma oportunidade e que todos que trabalhavam para o vereador Jerominho estavam passando para o lado dele. Disse que esse era o recado que tinha pra me dar e foi embora”, afirmou.

Ao se recusar a participar do esquema, Maciel passou a ser o maior suspeito de ter sido o responsável pelas filmagens que denunciavam comparsas de Chico Bala empunhando armas da Polícia Civil e andando com policiais da 35ª DP – posteriormente transferidos para a Polinter.

“Existe um esquema, manipulações de quem vai entrar na lista. Não sei qual é o esquema, quais são os interesses, mas sou cidadão e hoje não posso sequer andar na rua. Perdi meu direito de ir e vir”, disse.

No dia 12 de junho do ano passado, Maciel foi detido juntamente com Vanderson Navegantes Azevedo, Luciano Sabino da Silva e outros conhecidos identificados como Daniel e Ralff no interior do Condomínio Parque dos Eucaliptos, que fica próximo à Favela do Barbante. Eles foram levados para a 35ª DP.

“Perguntei se estávamos presos. Eles disseram que não estávamos presos, mas que não podíamos falar com ninguém. Às 14 horas do dia seguinte o Daniel foi liberado. Após cerca de 30 horas de prisão eles tentaram nos convencer a assinar um flagrante de formação de quadrilha, mas nos recusamos. Tentei cortar meu pulso em desespero e só depois disso tivemos acesso a advogado, família e alimento”, relata Maciel no vídeo, contando que foram transferidos para a carceragem da 39ª DP (Pavuna) três dias após a prisão.

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“Às 14 horas de sábado, dia 15 de junho, fomos transferidos para a Pavuna, onde ficamos 42 dias acautelados. O sub-síndico do condomínio, apontado como chefe da quadrilha da qual eu estava sendo acusado de fazer parte, me ameaçou e disse que eu era um homem morto. No vídeo, ele ainda afirma que a equipe de Marcus Neves voltou ao condomínio para verificar uma denúncia de furto de energia, e, entre os agentes, estava o cabo reformado da Marinha Carlos Eduardo Marinho dos Santos, o Marinho. O ex-militar se encontrava armado, fantasiado de policial civil, e ameaçou jogar uma bomba no condomínio, gritando que o condomínio era dele e iria matar a todos.

O sub-síndico do Condomínio Parque dos Eucaliptos é o cabo da Marinha Carlos Eduardo Marinho dos Santos, o Marinho, também indiciado na CPI das Milícias da Alerj. Ele está preso, acusado de chefiar a milícia nas favelas Cezarino, em Paciência, e da Foice, em Pedra de Guaratiba.

O denunciante procurou a Promotoria e foi orientado a também ir ao Ministério Público e ao Setor de Investigações.

“Não faria isso porque notícias chegaram até mim de que há conivência do promotor com o delegado Marcus Neves e o adjunto dele, Eduardo Jorge. Quero garantia de vida”, disse.

Leia também:
Lista com todos os indiciados por envolvimento com milícias

2 de janeiro
Lotados no Auxílio à Polícia de Trânsito (APTran) do 32º BPM (Macaé), o sargento Rogério Barberino, 46 anos, e o soldado Leandro de Moura Teixeira, 25, foram assassinados pelo técnico de som Ricardo Carneiro Essucy, 44. Eles realizavam patrulhamento de rotina no Centro de Rio das Ostras quando foram acionados para conter uma discussão a poucos metros da rodoviária.

3 de janeiro
Lotados no Módulo Operacional de Vias Especiais (MOVE) do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque), o soldado Márcio da Paz Pinho, 28 anos, e o cabo Marcos Valério de Souza Santos foram baleados no Elevado Engenheiro Freyssinet, mais conhecido como Elevado Paulo de Frontin, no Rio Comprido, quando faltavam 20 minutos para deixar o posto de serviço. os policiais foram alvos de tiros de fuzil efetuados por ocupantes de um Eco Sport preto de placa não anotada.

5 de janeiro
O policial militar Lúcio Luiz Lopes, 35 anos, lotado no 9º BPM (Rocha Miranda), foi morto, em Jacarepaguá, após ter sido baleado pelo colega de batalhão, Josué Jivago de Freitas Soares, 33. A mulher de Josué, Michelle Nascimento, contou que os dois trocaram tiros após discutir por causa de R$ 3.700,00.

7 de janeiro
O sargento Antônio dos Santos Filho, 43, lotado no 1º BPM (Estácio), foi abordado quando trafegava com seu veículo – o Palio branco placa LCS 9992 – próximo à passagem de nível da Estação Ferroviária, no Jardim Gramacho. Policiais militares lotados no 15º BPM (Duque de Caxias) revelaram que pelo menos quatro homens em um Golf de cor e placa não anotadas tentaram roubar o carro do sargento, que reagiu e acabou sendo baleado.

7 de janeiro
O soldado PM Fernando Queiroz Santa Marta, 34, foi baleado ao reagir a assalto na porta de casa, no bairro Jardim Primavera, em Duque de Caxias. Um dos criminosos, Reinaldo Júnior de Oliveira Pereira, 22, morreu na troca de tiros. O comparsa dele conseguiu fugir.

11 de janeiro
O cabo PM Anderson da Silva Oliveira, 30, morreu ao reagir a uma tentativa de assalto. Lotado no 2º BPM (Botafogo), ele se dirigia ao trabalho, em sua moto, quando foi surpreendido por uma falsa blitz que estava sendo realizada na Avenida Marechal Rondon, próximo à Rua Henrique Dias, no Rocha. Baleado na barriga, ele ainda foi socorrido e levado para o Hospital Salgado Filho, mas não resistiu aos ferimentos.