Fotos: Pedro Teixeira e Pedro Pantoja
Policiais costumam arriscar a vida todos os dias pelo bem da sociedade, mas no momento em que mais precisam são esquecidos pelos representantes dela. O inspetor Eduardo Pinto de Medeiros Baptista, 44 anos, foi baleado quando estava de serviço, em 2006, ficou tetraplégico e só no ano seguinte conseguiu se aposentar por invalidez.
No entanto, perdeu gratificações a que tinha direito e hoje ganha pouco menos de R$ 4 mil. O valor é insuficiente, pois seus gastos semanais, devido à sua tetraplegia, são sempre superiores.
Em novembro de 2006, Eduardo saía da 22ª DP (Penha), onde era lotado, para almoçar quando foi interceptado por três bandidos que queriam roubar o carro em que ele estava.
“Estava saindo da delegacia para ir comer alguma coisa e três homens me abordaram, em uma tentativa de roubo. Eu estava armado e tentei reagir. Ainda corri para tentar me proteger e trocar tiro com os marginais, mas fui baleado nas costas. Eu fui socorrido por colegas”, relembrou o policial.
Após ser baleado, Eduardo ficou muito tempo em coma e depois que acordou se deu conta de que estava tetraplégico e impossibilitado de voltar a trabalhar. A partir daí, começou sua luta para conseguir a aposentadoria.
“Consegui a minha aposentadoria por invalidez, mas automaticamente perdi algumas gratificações que eu tinha, e isso é uma pena porque na hora em que você mais precisa, você fica desamparado. Por conta da minha condição, tenho muitos gastos. Tive que comprar cadeira de rodas, cama especial, além disso, pago uma enfermeira, preciso de fraldas, remédios, o custo é muito alto. Ainda tive que me mudar e atualmente moro de aluguel. Gasto tudo que eu ganho, mas na maioria das vezes esses gastos ultrapassam e muito”, relatou Eduardo.
De acordo com a Polícia Civil, a gratificação decorre de uma regulamentação feita pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, com base no decreto do Governo do Estado que instituiu a gratificação para policiais que trabalham nas unidades de Delegacia Legal. De acordo com a resolução, a gratificação deixa de ser paga aos policiais que entrarem em licença médica, licença maternidade, férias ou afastamento por motivo de doença, mas o policial aposentado questionou essa medida da corporação.
“Todos sabem as condições para receber essa gratificação, mas ela é injusta, pois justamente nos momentos em que a pessoa mais precisa dela, ela é cortada. As autoridades deveriam ver isso. Quando a pessoa se aposenta, ou porque já está idosa, ou, como no meu caso, não pode mais trabalhar, precisaria de uma ajuda do Governo e não pode contar com isso”, reclamou.
O policial deixou claro sua paixão pela profissão e contou que já havia sido baleado anteriormente e não obteve ajuda do Governo.
“Essa profissão é linda. Sou bacharel em Direito e resolvi ser policial civil. Nós arriscamos a vida o tempo todo. Subimos favelas, ficamos cara a cara com bandidos. Às vezes passamos mais de 24 horas na cola de um marginal, mas amo muito essa vida, sempre amei. É uma pena que o Governo e a própria instituição não dêem o merecido valor que os policiais merecem. Já tomei tiro na perna, no braço, já fiquei de licença e não recebi muito apoio. Esta é uma profissão de risco. Os policiais estão mais propícios a tomar um tiro do que qualquer outro cidadão e a corporação não vê isso. Deveria haver uma proteção maior aos agentes, até mesmo financeira, porque, assim como eu, sei que existem muitos policiais que foram baleados em serviço, que hoje não podem mais trabalhar e foram totalmente esquecidos”, desabafou.
A Polícia Civil foi procurada para explicar como funciona o recebimento de gratificações, quais as condições para recebê-la e a falta de apoio que os agentes inativos recebem, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta.
O caso de Eduardo não é algo isolado na Polícia Civil. Um dos policiais que participou da Operação Família S.A. também viveu um drama parecido. Lotado na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) desde 2003, o agente Theophilo Augusto de Azambuja Neto, 47, foi até o Morro do Borel, na Tijuca, na Zona Norte do Rio, no dia 30 de novembro do ano passado executar a etapa operacional da ação que terminou com a prisão de 23 pessoas ligadas ao traficante Isaías Costa Rodrigues, o Isaías do Borel.
Na ocasião, Theophilo avistou no interior da favela uma casa usada como local de endolação de drogas, de onde dois suspeitos fugiam. Na perseguição à dupla, o agente escorregou no terreno cheio de lama e rompeu o ligamento do joelho esquerdo, provocando uma gravíssima lesão no menisco.
O agente foi socorrido pelos colegas e levado para o Hospital Geral do Andaraí, no bairro de mesmo nome, também na Zona Norte, onde foi constatada a gravidade da lesão. O policial entrou de licença no mesmo dia por acidente de trabalho.
O que ele não sabia era que, depois de quase 25 anos de Polícia, a instituição a quem dedicou a vida lhe negaria o direito à gratificação de cerca de R$ 1 mil que recebia mensalmente.
“Já tentamos dialogar com o secretário de Segurança no sentido de derrubar essa resolução, que acaba punindo aqueles policiais que se acidentam no cumprimento do dever, mas não há indicação alguma de que a Secretaria irá fazer qualquer coisa para modificar isso”, disse Francisco Chao, diretor jurídico do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro (Sindpol).
Duas semanas após a publicação da matéria, na edição do dia 12 de fevereiro do Jornal POVO do Rio, o inspetor Theophilo voltou a receber sua gratificação.
“Neste caso, a Justiça foi feita e foi restabelecido o pagamento da gratificação.Acho que para compensar, me pagaram ainda as férias. Após dias sem conseguir dormir direito, acho que agora vou conseguir. Vou deitar e dormir uma noite inteira sem ficar pensando em como solucionar meus problemas, minhas dívidas”, declarou, na época, ao comemorar a decisão da Polícia Civil.
Enquanto Eduardo não tem a mesma sorte, amigos iniciaram uma campanha para arrecadar doações que possam ajudar o policial. Qualquer valor pode ser depositado no banco Itaú, agência 5658, conta corrente 04206-3.
“Nosso querido colega e guerreiro está precisando de ajuda, pois o nosso Estado não arca com todas as despesas e como é de conhecimento da grande maioria, perdeu gratificações e hoje não recebe o suficiente para sua assistência especial de 24h, além de medicamentos de uso contínuo. A luta por dignidade e respeito ao policial deve ser contínua, para evitar tal constrangimento”, ressaltou um dos apoiadores da campanha.